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Falperra: lugar de ladrões?

Existe a crença popular de que o topónimo Falperra que temos nas cidades da Crunha e de Vigo provém do português, e que significa "lugar onde abundam os ladrões". Ora, uma afirmação do tipo "vém do português e significa lugar onde abundam os ladrões" deve, necessariamente, obrigar-nos a andar com olho.

Outras Falperras

Em primeiro lugar, existem mais ocorrências de Falperra na Galiza do que as da Crunha e Vigo: em concreto, a Falperra é também uma rua do concelho da Gudinha, fgª Tameirão. E em Portugal, a Falperra é topónimo em Amarães, Fafe, Guimarães, Paços de Ferreira, Vila Pouca de Aguiar, Arouca, Castelo de Paiva e Mourão, além do já comentado corónimo bracarense. Isto permite concluir que, com muita probabilidade, os nomes de lugar que se registam na Galiza não provêm do português, como se diz. Ao contrário, seriam endógenos, originados no contínuo galego-português e, deste modo, alheios provavelmente ao valor de lugarejo que falperra tem como apelativo, e que sim faz todo o sentido nas imediações de Braga. Por outras palavras, será primeiro o valor toponímico e depois o apelativo , então, nada permite concluir que o nome das Falperra da Crunha e Vigo provenham desse apelativo "português".




Significado da Falperra

Em segundo lugar, se concluirmos que é de origem toponímica, a seguinte pergunta será pola procedência etimológica do topónimo. José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa sustém uma origem obscura e rechaça a hipótese popular de que provenha de 'falsa pedra'. Sugere, então, uma redução de 'falda da perra', sem explicar mais disso. Almeida Fernandes, no seu Toponímia portuguesa, sugere que a raiz *fal- seja evolução de palla, com o significado de 'abrigo rochoso' ou 'edificação dolménica', e perra seja evolução irregular do latim petrea. Estaríamos, deste modo, perante mais um desses pleonasmos tão habituais na toponímia pré-latina. A relação entre *fal e palla baseia-se na variação p-/f- inicial noutros pares como pechar/fechar. Ora, de palla petrea para Falperra, faltam os passos intermédios, como indica Carlos Rocha. Por outra parte, tenha-se em conta a presença de diversos Pala (conc. Mortágua e Pinhel) e Palas (conc. Vinhais e Palas de Rei) toponímicos. Machado (op.cit), dá para o palla o valor de 'vertente lisa e muito inclinada' documentado, segundo diz, no século XII nas zonas de Baião (Porto) e Penedono (Viseu) — afastando-se do significado oronímico.

Em conclusão, tendo em conta a pouca segurança que há sobre a origem desse *fal-, a Falperra poderia ser um abrigo rochoso ou uma vertente lisa e íngreme de pedra. Enfim: opções bem mais comuns que relacionar as ocorrências da Crunha e Vigo com um lugar onde se concentram ladrões e outras pessoas indesejáveis — que poderiam concentrar-se numa serra nas imediações de Braga, mas muito menos provavelmente justo à beira de uma cidade.

Comentários

  1. E non será que eses lugares se chaman así en honor da serra portuguesa onde está o santuario do Bom Jesús?

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    1. Anónimo, o artigo explica precisamente por que não será. Ora, como quase todo em toponímia, é só uma possibilidade. Cada quem pode acreditar o que queira, mas é só isso: crença. Nada há na documentação que permita assegurar que as Falperras de Vigo e da Crunha se tenham posto em honra do orónimo de Braga.

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  2. Oscar, lleva ustéd razón cuando dice que casi todo en toponimia es solo una posibilidad. La toponimia, incluso para ustedes los expertos en lingüística, es muy resbaladiza como en cierta ocasión le oí -leí- a Mario Cardoso y, por lo tanto, de eso se trata de sumar "ocurrencias" en el ánimo de conseguir consenso.

    Respecto al Falperra galáico/portugués lo único que se me ocurre es mirar a mi alrededor y observo que todas ellas tienen la misma característica: en la ladera o pies de un monte. Me gustaría saber en que momento se produce la documentación más antigua de este topónimo. Esa..."falla petrae" ?...tiene bastantes boletos.

    RV

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    1. Até onde eu sei, o nome Falperra pode bem ser de época medieval, tendo em conta a evolução p > f. De todos modos, não o encontro na documentação medieval, o que também não é estranho se considerarmos que a área não se urbaniza até à modernidade.

      Quanto ao que diz de que se trata de sumar possibilidades, estou conforme, sempre que haja algum tipo de razão que as avale. Dizir, por exemplo, que a Crunha foi fundada por Hércules, que lhe pôs o nome da primeira mulher que habitou a cidade depóis de o heroi ter matado Gerião, é uma possibilidade, mas não se sustenta por parte nenhuma. E, portanto, pode ser descartada com quase um 100% de segurança. Porque há outras explicações mais plausíveis: ao respeito, por certo, lembro que aqui já se falou do topónimo Crunha:
      http://nomesdopais.blogspot.com.es/2011/11/crunha-promontorio-ou-fundacao-divina.html

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  3. Nos documentos notariais existentes no cartulario bracarense Líber Fidei que nos remete para os séculos X, XI e XII, são muitos os que referem essa zona montanhosa sobranceira à cidade de Braga. O topónimo mais vulgar é "radicen Sancta Marthe", "radice de Sancta Marta","subtus Monte Spino" ou "sub monte Spino", "sub monte Vermudi", "villa Nugaria, ...Lamazales subtis monte Spino, iuxta rivulum Aliste", " Tenones", "Sancta Tecla".
    Ou seja, nos vários documentos nunca aparece qualquer referência a Falperra, mas sim a Espinho (freguesia onde se situa hoje o santuário do Sameiro), Nogueira (freguesia actual onde se situa parte da serra da Falperra), rio Este e Lamaçães ( no sopé dos montes onde se situam os santuários do Bom Jesus(Tenões), Sameiro (Espinho), Santa Maria Madalena(Falperra: Nogueira, Longos) e Santa Marta das Cortiças(Falperra: Esporões)).
    Os toponimos Falperra, Palla Petrea, Fal petra não aparecem nesses numerosos documentos de compra e venda, doações, permutas de terrenos de Braga no sopé do Monte Espinho até ao vale do rio Este e Lamaçães, parte integrante, hoje, da zona urbana de Braga.

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